BLOG ESPIRITUALIDADE E RELIGIOSIDADE. AUTOR: ÁLAZE GABRIEL GIFTED.
Autoria:
Eduardo Gusmão
de Quadros. UEG e PUC Goiás.
RESUMO
Esta
investigação parte de um debate teórico acerca das relações entre a esfera
religiosa e a construção da modernidade.
No caso de Goiás, a construção da nova capital e a fundação de diversas
cidades pelo interior ocorreram sob o signo da modernização, impulsionadas pelo
Estado Novo. Todavia, boa parte das análises tem ressaltado apenas os vínculos
rurais e o importante papel das tradições no campo religioso. Pretendemos nesta
pesquisa considerar as manifestações religiosas a partir do desejo de ser
moderno, elemento constituinte dos sujeitos e de suas sociabilidades no
território goiano desde os primórdios do século XX.
INTRODUÇÃO
A ideia de
que a modernidade se afirmou contrapondo-se à religião é comumente encontrada.
Para que o mundo da ciência se desenvolvesse, a crença religiosa teria entrado
em declínio, numa relação de proporção inversa. Os clássicos da teoria social
(v.g. FREUD, 1996; MARX, 1974; WEBER, 1997) fundamentaram essa idéia. Posteriormente,
surgiu uma “teoria da secularização”, apoiada por autores de diferentes países,
que defendia a vitória da racionalidade e da técnica ocidentais sob o mundo das
crenças mágico-religiosas. As religiões perdiam sua “plausibilidade” (Berger),
tornava-se “invisível” (Luckmann) e estaria cada vez mais “isolada da
sociedade” (Luhmann). Nas últimas
décadas, esse “pessimismo” teórico foi revisto.
Um exemplo
deste processo pode ser dado pelo sociólogo norte-americano Peter Berger. Ele foi um dos principais defensores da
secularização nos anos sessenta, considerando-a um pressuposto de qualquer
análise acerca do fenômeno religioso (BERGER, 1985). Em 1999, porém, escreveu
que estava “essencialmente equivocado”, propondo uma “dessecularização” ou o
“grande ressurgimento do religioso” (BERGER, 2000).
O importante
pensador, contudo, não conseguiu ainda ver a modernidade como produtora de
religiosidade. Essa perspectiva advém
mais de franceses como Marcel Gauchet (1985, 1998 e 2008) e, especialmente,
Danielle Hervieu-Leger (1990 e 2008). A última autora defende a modernidade
como produtora de religiões, sendo
necessário:
Para avançar nesta direção, não manter-se
unicamente dentro da perspectiva racionalista que associa por completo as
‘renovações’ religiosas contemporâneas com os impulsos modernizadores sucitados
pela crise mundial e pelo desmantelamento das ideologias modernistas do
progresso...; é necessário romper com o paradigma da incompatibilidade entre
religião e modernidade... (HERVIEU-LEGER, 2008, p.29).
A cidade de
Goiânia fora construída sob o estigma da modernidade. Ela
representa, sintetiza e é o pólo irradiador do processo de modernização do
estado de Goiás. Esse projeto, encampado pelo interventor Pedro Ludovico no
bojo das transformações causadas pela Revolução de Trinta, visava retirar a
região de sua “atávica decadência”, impondo-se o ideário do progresso (CHAUL,
1997, p.206).
Progresso
quase que imposto à força da lei. A estrutura autoritária da sociedade, o papel
da liderança personalística e os conchavos entre a elite continuaram em vigor.
Mas, agora, havia aquilo que Laclau (2010) denominara de “razão populista”,
promovendo um grande rearranjo do espaço público, uma nova articulação entre
governo e sociedade, possibilitando a emergência de discursos e atores antes
inauditos.
Tais
transformações, relativamente rápidas no Estado, interferiram grandemente no
campo religioso.
Como se sabe, até o início da Republica o catolicismo era a religião oficial do
Brasil, vigorando até então o direito do Padroado. A criação de um governo
laico já faz parte da modernização religiosa, pois a diferenciação e a
autonomia das instituições básicas da sociedade estão inseridas na constituição
da modernidade.
Curiosamente,
o regime liderado por Getúlio Vargas se aproximava do modelo da neo-cristandade
(AZZI, 1994), recompondo a aliança com o catolicismo. Em Goiás, contudo,
ocorreu uma ruptura que embargou o processo. Enquanto o interventor planejava a
nova capital, transferindo o governo para lá em 1937, o bispo se mudou para a
cidade de Bonfim, ao sul do Estado. D. Emanuel de Oliveira tinha divergências
pessoais e políticas com Pedro Ludovico, um líder maçon. A nova capital não
poderia ser “secular”, como pretendia o interventor (VAZ, 1997, p.262).
POSSIBILIDADES DE SIGNIFICAÇÃO
O enfoque
teórico-metodológico propício a nossa investigação relaciona-se a duas
abordagens básicas: uma compreensão hermenêutica dos processos culturais e o
enfoque fenomenológico da experiência religiosa. Com isso, estamos afirmando
que não concordamos com as duas vias da história cultural apontadas por Peter
Burke: uma que enfatiza os sentidos e outra as representações (Burke, 2005: 9).
A nosso ver, devemos caminhar na investigação das representações sociais para a
construção dos sentidos da experiência (cf.Bonnel, V. e Hunt, L., 1999).
Destarte,
propomos considerar o âmbito cultural como um conjunto de possibilidades
topocronológicas de significação. A nosso ver, existe, socialmente falando,
uma zona de possibilidades de sentido e elaboração para cada ação individual. A
“invenção” do mundo parte do que é dado, da experiência vivida. Não há nas
culturas uma infinitude de possibilidades, mas um conjunto de possíveis onde se
cria a liberdade. Esta última é processual, conquistada, não consistindo, como
geralmente se pensa, num valor metafísico. Esse conjunto historicamente
delimitado de possíveis inscreve-se na espacialidade e na temporalidade captada
pelos corpos. É o que queremos dizer com o termo topocronológico, reunificando
dimensões que foram rompidas na disciplinarização acadêmica (a Geografia e a
História). Ao incorporar o espaço enquanto lugar e o evento enquanto
tempo, temos a abertura das significâncias
Por que
colocar a ênfase na possibilidade de significação e não nos significados?
Porque os últimos são posteriores, sendo na maioria das vezes préconstruídos
pela linguagem e pela tradição (Gadamer, 1997). Pretendemos, assim, dar maior
historicidade ao conceito de cultura, pois sua elaboração por áreas do
conhecimento mais preocupadas com a conservação do que com a mudança – é só
lembrar do temor das “perdas culturais” – marcou-o profundamente. É comum,
inclusive, encontrá-lo reificado, abstraído, tratado como uma “coisa” além dos
seus artífices.
A ação de
significar, frágil e instável, habilita tanto o pensar quanto o agir, como
demonstra Ricoeur (1999). Adentramos, portanto, na esfera de interdependências,
que podemos ainda chamar de dialéticas, para indicar a confluência e a
distinção, a interação e o conflito, a simbiose e o arranjo tensional. Como o
movimento de respiração, os atores sociais vivem atravessando as veredas da
subjetivação e da objetivação da situação envolvente, elaborando assim o que se
concebe por realidade. Sendo a cognição uma demanda pessoal e social, os
vínculos fundadores da coletividade vão sendo simultaneamente estabelecidos.
Estamos
afirmando que a relação social e a elaboração cultural são concomitantes e
interdeterminados. Autores como Ciro F. Cardoso (2005) enxergam na atualidade
um conflito de posições excludentes nesta questão, o que é identificado com as
posturas historiográficas modernas e pós-modernas. A tipologia dos “modos de
explicar” que propõe são, todavia, demasiadamente pesados nas tintas, apesar de
concordarmos com o alerta dado por ele de que muitas vezes o termo cultura
poderia ser substituído vantajosamente, e com maior precisão, por conceitos
próximos como valores, normas, idéias, imagens, objetos ou técnicas. Tais
traços dos fenômenos culturais servem para guiar nossa caracterização.
Portanto, a cultura nesta pesquisa engloba:
a)
uma esfera cognitiva – As representações de si, dos
outros e do mundo, que tendem a ser reproduzidas para fixar um espaço social e
um regime de verdades. Por meio delas, as operações de ordenação e planejamento
são partilhadas, o que igualmente acarreta rivalidades. Os saberes aceitos
coletivamente desencadeiam a tradicionalização, uma semântica pré-estabelecida
que prossegue sendo adaptada à medida que é invocada;
b)
uma performance – Os modos de fazer assumidos a partir
da competência significativa, o que pode resultar em estilos. Por estilos
compreendemos formas relativamente padronizadas de apropriação e exposição
(lingüística, comportamental) encontradas numa dada configuração social;
c)
um campo motivacional – Os afetos e desejos são
componentes significativos fundamentais. Não se pode reduzir o comportamento
humano à mitologia do ser racional. Entender as razões dadas é ir além das
legitimações propostas.
Outros
aspectos poderiam ser apontados, mas a ampliação demasiada de um conceito
retira dele sua funcionalidade. Os traços apontados não podem ser separados,
porque interligados constroem um desenho do agir histórico. Reunir ações,
representações e significações, como recomenda Chartier (2006), nos ajudará a
compreender melhor as experiências religiosas individuais e coletivas.
Max Weber, em
seus estudos de sociologia religiosa, indicou que seria melhor chegarmos a
alguma definição de religião no final de nossas investigações e não partir
delas (1997:65). Não é que consideremos inúteis as tentativas de construção
teórica, elas dão uma direção de pesquisa, mas consideramos, como o mestre
alemão, mais pertinente uma abordagem de teor pragmático.
Não existe
religião “sozinha”. Daí a importância de não se partir de um nível abstrato,
isolado, sendo preferível identificar como funciona o religioso em um
dado grupo, época ou cultura (Caputo, 2002). Para identificá-lo, entretanto, é
necessário partir de algumas características.
A escola
fenomenológica foi a que forneceu as contribuições mais relevantes neste ponto.
Gerard Van der Leew (1964) enfatizou a vivência
do religioso como um tema fundamental das pesquisas. Ela não seria algo
captável em si, pois os sujeitos religiosos ao tentarem compreendê-la e
explicá-la, retrabalham-na com as categorias lingüísticas disponíveis. Há um
esforço de traduzibilidade para os códigos comuns do cotidiano. Sob a ordem
também do logos é que tal vivência fica arquivada na memória, podendo
ser reatualizada através das ações rituais.
O típico da
experiência com o sagrado seria a sensação de um sentido último, profundo, para
a vida e para os cosmos. Essa capacidade de significação é acompanhada da busca
de poder, de controle sobre as circunstâncias da vida (Leew, 1964:650). Os
limites do sentido requerem poder e o poder estabelece limites ao sentido. Tais
fronteiras encontram-se no ato de transcendência.
A
fenomenologia forneceu uma base para os estudos religiosos, contudo ela possui
acentuada tendência ao idealismo. Uma história “religiosa” da religião deve ser
cruzada com uma história naturalística (Griffin, 2000). Talvez, tivéssemos
perdido menos tempo em debates estéreis, se escutássemos o conselho de Ernst
Troeltsch, dado no início do século XX, quando propôs por método mesclar ambas
perspectivas num “idealismo crítico” (1977:83).
Entendemos a
expressão como uma radical historicização das concepções religiosas. Essa
dimensão dinâmica da vida interage com outros fatores e compete cotidianamente
com outros investimentos do sujeito (Certeau, 1985 e 1996). Mas, ao
mesmo tempo, podemos encontrar um específico gerado no ato de crer: a plusificação (QUADROS, 2005). Algo a mais envolve
o objeto de fé ou a doutrina religiosa. Esta característica é fundamental ao
que comumente denominado de sagrado.
A modernidade
goiana alterou concepções de sagrado tradicionais, mas entendemos que gerou
recursos para sua própria viabilização. A rápida modernização do Estado gerou
novas representações religiosas (campo cognitivo), direcionou expectativas
(campo motivacional) e possibilitou práticas inovadoras (campo perfomático). Os
sujeitos tiveram, também, na religiosidade um lugar para buscar seu
empodaremento.
POPULISMO, FÉ E NAÇÃO
A bibliografia acerca do
populismo é relativamente extensa, contudo as análises sobre o discurso
religioso nesse regime político ainda é escasso. As tentativas de angariar o
apoio da população e as expressões simbólicas da nacionalidade inauguradas com
a Revolução de Trinta possuíam cores religiosas, mas esse aspecto não despertou
a atenção dos investigadores. Por outro lado, a igreja católica havia sofrido o
golpe da separação do Estado com a Primeira República e durante todo esse
período permaneceu na tentativa reestruturação e reaproximação das elites. Um
momento oportuno será a década de Trinta do século passado, quando uma nova
forma de hegemonia social e política foi instaurada no Brasil.
Podemos chamar esse rearranjo
nas relações entre os grupos sociais e políticos ainda de populismo? É verdade
que já se falou no “colapso do populismo no Brasil” (IANNI, 1968). Essa era a
interpretação majoritária da esquerda quando ocorreu o golpe civil-militar em
1964. A política populista iniciada com o governo de Getúlio Vargas teria
terminado com a derrubada de João Goulart e uma nova forma da “burguesia
internacional” exercer seu domínio teria iniciado com a ditadura militar
instaurada. Não vamos discutir aqui os debates sobre esse recorte temporal, mas
podemos lançar a suspeita de que a forma de fazer política na modernidade
possui uma forte herança do populismo.
Nesta pesquisa, não pretendemos
abordar todo esse período “clássico”, digamos assim, da política populista, mas
principalmente seus primórdios. A Era Vargas teve seu paralelo em Goiás com o
governo de Pedro Ludovico Teixeira, durante cerca de quinze anos após a
Revolução de Trinta e retornando depois, igualmente, durante a década de
cinqüenta. Os novos valores instaurados e a nova forma de pensar a
governabilidade modificaram as estruturas da sociedade brasileira e goiana,
ressalvando-se os aspectos locais a serem aprofundados. Portanto, investigar
como a religiosidade se expressou nesse período é relevante, pois a população
tinha nos ritos, crenças e símbolos religiosos uma forma privilegiada de
manifestação e de construção da vida comunitária.
Essa questão da integração
social e da unidade popular foi fundamental na época. O enfoque estatal estava
voltado para a constituição da nacionalidade. Como se sabe, as análises de
Benedict Anderson provocaram uma guinada nos estudos acerca da identidade
nacional quando esse autor a definira como “uma comunidade politicamente
imaginada” (1989, p.14). O ganho foi perceber a importância que as expressões
culturais tinham no surgimento das nações, processo que caracteriza a história
mundial dos últimos dois séculos. Apesar da importância dada à cultura, aos
símbolos e aos sentimentos nessa análise, destacamos que a religiosidade
permaneceu ausente de sua obra e da maioria de seus seguidores.
Assome-se que para a política
populista ser exercida, essa unidade do “povo” exerce tanto a função de
pressuposto quanto a de meta das ações. Poderíamos sugerir, inclusive, que foi
o populismo que criou politicamente a categoria de povo, das massas ou dos
“trabalhadores”, conceitos que englobavam as manifestações coletivas. Como
colocou Ângela de Castro Gomes, os significados básicos do populismo envolvem:
1
– “... uma política de massas, vale dizer, um fenômeno vinculado à proletarização
dos trabalhadores na sociedade complexa moderna, sendo indicativo que tais
trabalhadores não adquiriram consciência e sentimento de classe”;
2
– “o populismo está igualmente associado a uma certa conformação da classe
dirigente, que perdeu essa representatividade e poder de exemplaridade,
deixando de criar os valores e estilos de vida orientadores de toda a
sociedade”
3
– A unificação dos dois aspectos anteriores "pela mediação de um líder
carismático" (GOMES, 2001, p.24-25)
Os três aspectos em destaque são
importantes para entender como o “povo” emerge enquanto sujeito social e
político no regime instaurado pela Revolução de Trinta. A igreja católica, em
suas pastorais, está preocupada com a perda de prestígio das camadas
dirigentes, com os novos movimentos que surgem entre os trabalhadores (a
exemplo do comunismo) e também vê no surgimento dos líderes carismáticos
importantes aliados para a reconstrução do domínio cultural e religioso. O
exemplo a ser seguido será a Itália, onde a concordata com Mussolini resolveu
uma série de problemas relativas ao Vaticano (AUBERT, 1976).
Então, há um campo de disputas
nessa construção do “povo”, um conflito entre diferentes visões acerca do
domínio da vontade popular e de suas manifestações. Simultaneamente,
encontramos em nível nacional uma importante reaproximação do episcopado com o
governo de Getúlio Vargas. Antes da vitória do movimento revolucionário, o
bispo do Rio Grande do Sul, D. João Becker, já apoiava o programa da Aliança
Liberal. Durante a campanha presidencial de Getulio, pregou um sermão afirmando
que:
“Falta-nos
na suprema direção da Pátria um novo Moisés que tenha a audácia cívica de
escolher a Nosso Senhor Jesus Cristo para guia da Nação, que tenha coragem de
restbelecer os direitos, os ensinamentos e as leis de Deus em todos os
departamentos da sociedade brasileira. Quem o será? Como todos os estados, o
Rio Grande do Sul tem o direito inconcusso, como o fez. Eu quisera, como todos
os presentes o desejam, que este Moisés regenerador da República surgisse do
meio do heróico povo Gaúcho...” (apud BEOZZO, 1995, p.287).
Temos neste pequeno trecho a
imbricação de valores que estamos tentando demonstrar. Deus, a nação, o líder e
as “leis de Deus” – no caso, da igreja Católica – estão intimamente relacionados
e, com a penetração do catolicismo sobre as camadas populares, cremos que esse
apoio será fundamental no novo regime político instaurado. Mas devemos deixar
claro que esse apoio recíproco não ocorreu em todos os estados.
No caso de Goiás, houve
divergências evidentes entre o interventor revolucionário, e depois governador,
Pedro Ludovico e o bispo D. Emmanuel de Oliveira. Ronaldo Vaz chama-o de “bispo
da Nova Cristandade”, entretanto não deixa de apontar a resistência clerical ao
projeto da nova capital, como fora realizado. Goiânia foi projetada para ser
uma cidade “secular” (1997, p.262). Proliferaram, na verdade, desde os anos
trinta, as lojas maçônicas e as denominações protestantes. Tais manifestações
também foram importantes, apesar da pesquisa acerca de sua influência ser um
pouco mais dificultosa. Nesse projeto, buscaremos comparar principalmente a
presença do protestantismo, relacionado classicamente com a modernidade (WEBER,
1997; TROELTSCH, 2005), e a estratégia do catolicismo para manter sua hegemonia
sócio-cultural.
Em 1970, Boris Fausto publicou uma obra onde fazia a
avaliação da historiografia acerca do movimento revolucionário de 1930. Nela
criticava as teorias “dualistas” ou “classistas”, que não dariam conta de
captar o sentido do regime iniciado com Vargas (1997, p.11). A ruptura com a
economia agrária, a aliança com a burguesia industrial emergente, a intervenção
das classes médias ou a relevância dos grupos militares na Revolução são
tratadas como exageros que, em última instância, tornaram-se mitos
historiográficos.
Essas
críticas, apesar de antigas, foram pouco incorporadas na historiografia goiana
acerca do período governado por Pedro Ludovico. Um exemplo pode ser dado pela
obra coletiva organizada por Dalva Borges de Souza, Goiás: Sociedade e Estado (SOUZA, 2004). Não queremos desmerecer,
obviamente, os autores que ali escrevem, ou a contribuição que deram traçando
um bom perfil histórico da política goiana no século XX. Mas queremos apontar
certos termos que continuam a ser repetidos como se fossem claros e evidentes,
a exemplo de oligarquias agrárias, coronelismo, classe ruralista, atraso,
burguesia, capitalismo dependente, modernização industrial, interesses
internacionais, etc. Eles são conceitos heurísticos que têm seu valor se
matizados de acordo com a situação local e trabalhados de modo relacional. Além
do mais, a maioria dos pesquisadores assume, direta ou indiretamente, a postura
interpretativa do grupo que venceu, ou seja, o lugar de quem olha a história a
partir de Goiânia e do impacto que gerou.
A
igreja, mesmo enquanto instituição, pouco aparece na obra, o que também é
resultado do referencial teórico-metodológico adotado pelos autores. Mas será
que ela não contribui para a política estatal? Seus valores não estão
presentes, de maneira característica, na sociedade goiana? O que buscamos nessa
pesquisa é, destarte, revisitar o período dos anos trinta e quarenta inserindo
a presença dos grupos religiosos na conjuntura social e política de Goiás. As
crenças compõem a cultura política da época, assim como esta demarca o campo
religioso. A fé não pode ser considerada somente um epifenômeno, um espelho da
posição social, dando sentido as próprias relações sociais e posições de classe
(CERTEAU, 1996). Na constituição dos sujeitos e na configuração das práticas
significativas, todo um conjunto de interesses, tradições e projetos estão
manifestos, estando as crenças geralmente presentes.
As
análises sobre o populismo também pouco observaram a contribuição dada pelo
discurso religioso. O livro organizado por Jorge Ferreira (2001) reúne
especialistas no assunto e mesmo havendo certo destaque dado às expressões
culturais e às estratégias de sociabilidade, a igreja permaneceu ausente. Outro
exemplo advém do livro de Maria Helena Capelato, bastante inovador do ponto de
vista temático e metodológico. Fala-se que os regimes Peronista e Varguista
buscaram o apoio eclesiástico e que ambos se valiam de imagens religiosas em
sua propaganda (1998, p.29), entretanto a temática não foi desenvolvida pela
autora.
É o
que pretendemos fazer. Mapeando como as representações religiosas da sociedade
marcaram o discurso e a prática populista, esperamos contribuir para o melhor
entendimento da época. De maneira complementar, estudaremos como as instituições
religiosas se aproximaram, ou não, do regime instituído em Goiás com a
Revolução de Trinta, com a criação de Goiânia e com os valores modernos
irradiados pela nova capital.
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SILVA, Conego José Trindade da
Fonseca. Lugares e Pessoas – subsídios eclesiásticos para a história de Goiás.
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[1] Foi pincipalmente Weber que forneceu as bases da
teoria da secularização defendendo “o grande processo histórico-religioso do
desencantamento do mundo” (2004, p.96) como irrevogável.
[2] Uma resenha das principais ideias desses e de outros
autores encontra-se na obra de Martelli (1995).
[5]O direito ao Padroado foi estabelecido pelo Tratado de
Tordesilhas, ainda antes da conquista do território brasileiro. Através dele, o
governo possuía alto grau de poder administrativo sobre a igreja. Após a
independência, esse direito foi adquirido em Roma e só foi extinto com o fim da
monarquia, apesar dos protestos eclesiásticos. A nosso ver, a reconfiguração
das forças teo-políticas (QUADROS, 2009) é importante dentro da problemática
que pretendemos investigar.
[6]O forte conflito da Igreja Católica com a maçonaria é
representado pela obra de Cônego Trindade, Lugares e Pessoas (SILVA, 1948), que
em um livro de história eclesiástica dedica diversas páginas transcrevendo as
condenações do magistério eclesiásticos aos maçons.
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