BLOG ESPIRITUALIDADE E RELIGIOSIDADE. AUTOR: ÁLAZE GABRIEL GIFTED.
Disponível em http://espiritualidade-e-religiosidade.blogspot.com.br
PERSONALIDADE E RELIGIOSIDADE/ESPIRITUALIDADE (R/E)
RESUMO
1. CONTEXTO: Embora existam muitos estudos relacionando o
contexto religioso com a saúde física e mental, há poucas pesquisas sobre a
interface entre religiosidade/espiritualidade (R/E) e personalidade.
2. OBJETIVOS: O objetivo principal foi revisar as evidências
empíricas de investigações sobre a relação entre religiosidade, espiritualidade
e personalidade.
3. MÉTODOS: Foi realizado um levantamento da produção
acadêmica por meio das bases de dados virtuais: PubMed e PsychInfo, com artigos
indexados até janeiro de 2008 e utilizando as combinações: "personality
and spiritu*" e "personality and religio*" Além
disso, foram pesquisados os artigos presentes em uma metanálise sobre o tema.
4. RESULTADOS: Alta Religiosidade está associada a baixo
Psicoticismo e a alta Amabilidade e Conscienciosidade. Conscienciosidade em
adolescentes pode ser um preditor significante para a maior religiosidade na
adultez jovem. E a dimensão de Religiosidade é mais provável candidata a
residir além dos cinco grandes fatores de personalidade.
5. CONCLUSÃO: A crença em uma dimensão de Religiosidade, em uma
realidade transcendente ou em um Deus pessoal, em alguns casos, parece não
possuir correspondências entre quaisquer dos cinco fatores de personalidade.
Isso parece indicar que a R/E seja um potencial sexto fator de personalidade
que não está presente nos modelos de personalidade atuais.
INTRODUÇÃO
A personalidade tem sido estudada pela psicologia,
no Ocidente, desde o século XIX1. Contudo os aspectos ligados à
religiosidade/espiritualidade (R/E) foram pouco explorados ou até mesmo
patologizados por algumas teorias de personalidade e pela psicologia e
psiquiatria como um todo1,2. Entretanto, atualmente, a relação entre
R/E e saúde foi examinada em publicação que revisou mais de 1.200 estudos
realizados ao longo do século XX: a The handbook of religion and health4.
Nele, os autores afirmam que a religião continua tendo um papel significativo
na vida das pessoas, mesmo depois de importantes avanços em áreas como
educação, psicologia e medicina. A exemplo disso, estudos mostram que as
crenças e as práticas religiosas são estratégias eficientes de muitos pacientes
para lidar com as doenças; 80% dos estudos revisados por Koenig et al.4
apontam para relações positivas entre religiosidade e bem-estar. Estudos
prospectivos, semiexperimentais e experimentais, sugerem que atividades
religiosas e/ou espirituais levam à redução dos sintomas de depressão e que
psicoterapias seculares e de orientação religiosa apresentam a mesma
efetividade4.
Nesse sentido, recentemente os fenômenos
relacionados à esfera religiosa e espiritual do comportamento humano foram
incluídos em classificações como o Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais3,5 e, também, a Organização Mundial da Saúde
incluiu um domínio denominado religiosidade, espiritualidade e crenças pessoais
em seu instrumento de avaliação de qualidade de vida, o WHOQOL6.
Além disso, há muitos estudos que relacionam o contexto religioso com a saúde
física e mental, embora existam poucas pesquisas sobre a interface entre R/E e
personalidade7-9.
Atualmente, pesquisadores de diversas áreas começam
a ver a R/E como área de crescente potencial para a teoria e a pesquisa em
personalidade10. E, diante disso, este artigo objetiva revisar as
evidências empíricas de investigações sobre a relação entre religiosidade,
espiritualidade e personalidade.
MÉTODO
Foi realizado um levantamento da produção acadêmica
por meio das seguintes bases de dados virtuais: PubMed e PsychInfo, com artigos
indexados até janeiro de 2008. As pesquisas em tais fontes de dados foram
realizadas com as combinações: "personality and spiritu*" e
"personality and religio*"; e foram encontrados 530 artigos no PubMed
e 350 na PsychInfo. Os artigos foram selecionados a partir de seus títulos,
quando estes incluíam o estudo da personalidade e R/E, e, depois, dos resumos,
entre os quais foram incluídos apenas aqueles que faziam revisões sobre a
relação entre R/E e personalidade e que apresentavam resultados com dados
originais. Além disso, foram pesquisados os artigos presentes em uma metanálise
sobre o tema11 e foram analisadas as referências bibliográficas dos
artigos obtidos, com o objetivo de encontrar outros cujo tema fosse relevante
para o conteúdo abordado na presente revisão.
RESULTADOS
Nas últimas décadas, a fim de investigar as
relações entre personalidade e religiosidade/espiritualidade, muitos
pesquisadores utilizaram as taxonomias de traços de personalidade descritas em
dois grandes modelos10,11. O primeiro é conhecido como "Três
Grandes" (Big Three) fatores ou P-E-N de Hans Eysenck; o segundo é
o modelo dos "Cinco Grandes" (Big Five) ou Modelo de Cinco
Fatores, que foi impulsionado pelas pesquisas léxicas de Cattel1,11.
De acordo com Hall et al.1, o
modelo de Hans Eysenck apresenta dois aspectos centrais para o estudo da
personalidade: um descritivo, taxonômico e biológico, responsável pelas
diferenças individuais e fundamentais da personalidade; outro causal, que
resulta da aprendizagem e do ambiente.
No modelo de Hans Eysenck, Psicoticismo é o
fator associado a egocentrismo, frieza, agressividade, impessoalidade,
impulsividade, falta de empatia, criatividade, obstinação e antissociabilidade;
Extroversão associa-se a sociabilidade, vitalidade, atividade,
assertividade, busca de sensações, dominância; Neuroticismo está ligado
a características como ansiedade, depressão, sentimentos de culpa, baixa
autoestima, tensão, irracionalidade, timidez, tristeza e emotividade12.
A partir dessa teoria, foram desenvolvidos posteriormente o Eysenck
Personality Inventory (EPI), que avalia a introversão e o neuroticismo, e o
Eysenck Personality Questionnaire (EPQ), que inclui o psicoticismo1.
O segundo modelo, dos Cinco Grandes fatores de
personalidade ou Big Five, teve como base o trabalho de R. B. Cattell,
que pode ser considerado seu "pai intelectual"1. Suas
análises fatoriais da personalidade utilizaram a chamada "hipótese
léxica", que consistia em colher informações a partir de expressões
encontradas na linguagem natural das pessoas, encontrando em torno de 16
fatores que descreviam a personalidade13,14.
Utilizando método semelhante ao de Cattell, alguns
estudos posteriores analisaram a estrutura da personalidade e chegaram a apenas
cinco fatores que eram obtidos com confiabilidade1,13,15. A
nomenclatura de cada fator utilizada no manual do Inventário de Personalidade NEO
versão brasileira, revisado (NEO PI-R), originalmente desenvolvido por Costa e
McCrae15, apresenta: Extroversão, Neuroticismo, Abertura à
Experiência, Conscienciosidade e Amabilidade.
Extroversão e Neuroticismo correspondem aos fatores E e
N da escala de H. Eysenck1,16. Abertura à Experiência está
associada à flexibilidade de pensamento, à fantasia e à imaginação, à abertura
para novas experiências e interesses culturais14. Conscienciosidade
refere-se ao senso de contenção, ao sentido prático, à responsabilidade, ao
zelo, à disciplina, à honestidade, à engenhosidade, à cautela, à organização e
à persistência14,17. Amabilidade está ligada a atitudes e a
comportamentos pró-sociais, a características como altruísmo, cuidado, amor,
apoio emocional, docilidade, generosidade e lealdade14,17.
Conscienciosidade e Amabilidade correspondem a polos opostos à escala de
psicoticismo de Eysenck10,11,15,16.
R/E E OS TRÊS GRANDES FATORES DA PERSONALIDADE (PEN)
Teoricamente, as hipóteses de Michael Eysenck18
sobre o modelo dos Três Grandes fatores de personalidade afirmam que
extroversão e psicoticismo possuem associações negativas com religiosidade,
enquanto neuroticismo apresentaria associações positivas. Nesse sentido, uma
metanálise de 12 estudos sobre R/E e os Cinco Grandes fatores de personalidade
afirma que, em várias culturas e denominações religiosas, convergem para a
resultante associação entre religiosidade e baixo psicoticismo11,19-21.
Contudo, é importante ressaltar nestes estudos qual
dimensão religiosa está sendo estudada. A dimensão mais utilizada na presente
revisão é a "orientação religiosa" proposta por Gordon Allport22,
psicólogo de Harvard que também estudou a personalidade. De acordo com ele, a
orientação religiosa de uma pessoa pode ser Extrínseca ou Intrínseca. A
religiosidade extrínseca está associada a comportamentos religiosos que visam a
benefícios exteriores, de status, segurança e distração, em que a pessoa
se volta ao sagrado ou a Deus, mas sem desapegar-se do self. Por outro
lado, a religiosidade intrínseca está associada a um sentimento de significado
último da vida, em que a pessoa busca harmonizar suas necessidades e interesses
às suas crenças, esforçando-se por internalizá-las e segui-las completamente22.
Como diz Allport, ao estabelecer uma comparação entre as duas orientações:
"os extrínsecos usam sua religião enquanto os intrínsecos a
vivenciam" 23.
Utilizando essa diferenciação, Maltby24
encontrou resultados significativos que apresentaram associações negativas
entre religiosidade e psicoticismo. O estudo aplicou a Escala Modificada de
Orientação Religiosa (GORSUCH e VENABLE, 1983 – Age-Universal, Escala I
– E – Intrínseca-Extrínseca) e o Questionário de Personalidade de Eysenck (EPQR
– A – R) em duas amostras de estudantes universitários da Irlanda (n = 172) e
da Inglaterra (n = 213). Nos resultados, a orientação religiosa intríseca, mas
não a extrínseca, esteve associada negativamente a psicoticismo24.
Michael Eysenck18 apresenta três
alternativas para explicar a consistente relação negativa entre psicoticismo e
religiosidade: a primeira seria que pessoas com baixo psicoticismo seriam mais
atraídas para a religião, possuindo mais atitudes positivas relacionadas a esta
do que pessoas com alto psicoticismo; a segunda explicação seria o oposto, ou
seja, pessoas que adotam atitudes e práticas religiosas tendem a apresentar
como resultado baixo psicoticismo e a última alternativa seria considerar que
baixo psicoticismo e alta religiosidade são características socialmente
desejáveis; logo, espera-se que pessoas com altos índices de sociabilidade
apresentem menos psicoticismo e mais religiosidade.
Com relação a isso, McCullough et al.10
consideram que, embora os pesquisadores tenham sido bem-sucedidos em descobrir
uma correlação básica entre religiosidade e personalidade, estando as medidas
de uma relacionadas às medidas da outra, isso não explica por que tais medidas
estão relacionadas. Sendo assim, as duas primeiras alternativas de explicação
de Michael Eysenck18 carecem de mais estudos longitudinais para que
se saiba a direção dessa associação.
A terceira hipótese de Michael Eysenck18
para explicar a relação negativa entre psicoticismo e religiosidade foi
examinada por Lewis21, em dois estudos com o intuito de observar se
essa relação estaria "contaminada" pela expectativa social. No
primeiro estudo, mesmo controlando para os escores da Escala de Mentira, as
únicas correlações significativas encontradas foram a associação negativa entre
psicoticismo e religiosidade e a associação positiva entre psicoticismo e
obsessividade21.
No segundo estudo, a aplicação dos instrumentos
ocorreu em dois tempos: no primeiro momento os sujeitos responderam aos
questionários sob condições normais, mas no segundo, eles foram conectados a um
"detector de mentira" (bogus pipeline). Os resultados não
apresentaram diferenças significativas entre os escores obtidos sob condições
normais e sob a segunda condição, com o "detector de mentira"21.
A conclusão da revisão foi de que os dois estudos sustentam que a associação
entre religiosidade e traços de personalidade de obsessividade e de
psicoticismo não estão em função da expectativa ou desejabilidade social21.
Hills et al.25 utilizaram o Religious
Life Inventory, incluindo escalas que mediam as dimensões de religiosidade
intrínseca, extrínseca e busca (quest – busca religiosa/espiritual) e o EPP
(Eysenck Personality Profiler), para avaliar os traços de
personalidade. Sua amostra foi de 400 estudantes universitários (110 homens e
290 mulheres). Os resultados não encontraram associações significativas entre
extroversão e religiosidade. Contudo, neuroticismo esteve associado
positivamente com religiosidade extrínseca e busca e não apresentou associações
com religiosidade intrínseca e com as variáveis comportamentais de frequência à
igreja e oração pessoal25. Psicoticismo esteve associado
negativamente a todas as variáveis religiosas, comportamentais e psicométricas,
sendo todas as associações de magnitude similares, embora a relacionada à
religiosidade extrínseca seja a mais fraca25. Também foi observado
que as relações entre psicoticismo e religiosidade não podem ser atribuídas a
diferenças unicamente de gênero (no caso o masculino), sendo, então, a
associação negativa com psicoticismo uma característica geral da religiosidade.
As observações mais importantes do estudo são de
que sentimento de culpa está associado a cada uma das orientações religiosas,
constituindo-se como um forte preditor de religiosidades intrínseca e de busca;
de que os intrínsecos parecem ser mais felizes, mais dogmáticos, não agressivos
e independentes; de que o comportamento religioso está associado com todos os
fatores de maior ordem do PEN Eysenckiano (Psicoticismo, Extroversão e
Neuroticismo), em contraste com os achados anteriores que afirmavam que o
psicoticismo era o único preditor mais evidente de religiosidade25.
Dessa forma, a análise dos dados deste estudo
sustenta a concepção de que as crenças religiosas estão associadas a
sentimentos de culpa, como se observa em Freud e em Pratt25 ao
tratarem da natureza da religião. No entanto, os resultados não apoiam a visão
de que indivíduos religiosos são, por outro lado, neuróticos, o que também
afirmava Freud. Ao contrário, segundo os autores, os intrínsecos tendem a ser
mais felizes e independentes25.
Resumindo, os estudos que relacionam R/E e os Três
Grandes fatores da personalidade convergem para uma associação negativa entre
religiosidade e psicoticismo11,18,24,25, que não é explicada pela
desejabilidade social21, pelas diferenças de gênero25.
R/E E OS CINCO GRANDES FATORES DA PERSONALIDADE (BIG
FIVE)
A revisão sistemática com metanálise de 13 estudos
sobre religiosidade e os cinco fatores de personalidade, realizada por Saroglou11,
analisou diferentes dimensões de religiosidade. As religiosidades
geral/intrínseca e aberta-madura estiveram correlacionadas, principalmente, com
Amabilidade e Conscienciosidade (igual a baixo psicoticismo), conforme esperado
pelo autor. De acordo com Saroglou11, a religião está relacionada
com os cinco fatores de personalidade, mas essa relação depende claramente da
dimensão de religiosidade que é medida. Para ele, os futuros artigos deveriam
permitir que as metanálises investigassem o impacto de variáveis moderadoras,
como idade, gênero, denominação e populações religiosas gerais versus
específicas.
McDonald e Taylor16 conduziram um estudo
com 1.129 estudantes universitários de Psicologia, no Canadá, e obtiveram
resultados semelhantes àqueles apontados por Saroglou11. Uma das
limitações do estudo, apontada pelos autores, é o fato de que estudantes
universitários podem não constituir uma amostra apropriada para estudar as
relações entre personalidade e religiosidade16.
McCullough et al.10 afirmam que a
maioria dos estudos sobre personalidade e religiosidade são transversais e com
instrumentos de autoavaliação. Segundo eles, as pesquisas longitudinais mais
amplas, bem como estudos que avaliem de forma mais completa a inter-relação da
personalidade e dos fatores sociais na formação da religiosidade, serão passos lógicos
no sentido de dar seguimento à visão de Allport para uma psicologia da
personalidade que ofereça uma luz à dimensão religiosa do funcionamento humano.
A única pesquisa longitudinal encontrada nesta
revisão é o estudo conduzido por McCullough et al.10, que
examinou a associação entre os Cinco Grandes fatores de personalidade e
religiosidade, sob a perspectiva do desenvolvimento. Os autores analisaram 492
adolescentes superdotados (QI = ou > 135), entre 12 e 18 anos, por um
período de 19 anos. Os adolescentes foram avaliados em intervalos entre 5 e 10
anos, e seus pais e professores também preencheram uma escala de personalidade
relacionada à sua percepção sobre cada participante. Em seus resultados, os
adolescentes que foram apontados pelos pais e professores como mais abertos à
experiência se tornaram mais religiosos na adultez, o que contraria as
expectativas, pois a Abertura à Experiência está relacionada à tendência a
considerar novas ideias e a questionar valores e crenças. Contudo, como os
temas ligados à R/E são amplos no que tange a ideias, crenças e valores, é
possível que a Abertura à Experiência possa predispor os adolescentes a
considerarem as dimensões de R/E da vida10.
Os resultados obtidos após o controle para as
correlações entre os Cinco Grandes por meio de regressões multivariadas apontam
para a Conscienciosidade em adolescentes como o único preditor significativo
para a maior religiosidade na adultez jovem10. Segundo os autores,
isso parece sugerir processos de desenvolvimento em que a Conscienciosidade
seria uma tendência biológica e a religiosidade, uma característica adaptativa
que pessoas com alta conscienciosidade estariam propensas a adotar. Ainda
assim, a associação Conscienciosidade-religiosidade parece atingir os
adolescentes em geral, sem diferenças entre seus graus de educação religiosa10.
Além disso, a pesquisa também observou que
adolescentes que mostravam maior instabilidade emocional estavam mais sujeitos
a adotar, na maioridade, níveis de religiosidade semelhantes aos de seus pais.
Para os autores, isso pode significar que o adolescente emocionalmente instável
pode adotar a religião dos pais como forma de manter o bem-estar afetivo e
evitar conflitos com a família10.
Em resumo, os resultados encontrados nos estudos apresentam
associações positivas entre alta Conscienciosidade, alta Amabilidade e
religiosidade10,11,15,16; e a Conscienciosidade aparece como
preditor de religiosidade na adultez, independentemente da educação religiosa
recebida10.
R/E PARA ALÉM DOS CINCO GRANDES
De acordo com Saucier e Goldberg26, um
corpo considerável de pesquisas tem demonstrado o poder de síntese dos cinco
amplos fatores de personalidade, tanto em autodescrições quanto em descrições
feitas por outros. No entanto, alguns pesquisadores têm sugerido que um grande
número de conteúdo descritivo da personalidade não está incluído de forma
adequada no Modelo de Cinco Fatores26.
No estudo conduzido por Hills et al.25,
as análises fatoriais entre dimensões de religiosidade e fatores de personalidade
preditivos observaram que as dimensões de religiosidade formavam um discreto e
substancial segundo fator que não estava associado com nenhum dos fatores
primários ou de maior ordem de personalidade. Assim sendo, os autores afirmam
que as diferentes dimensões de religiosidade parecem possuir mais em comum umas
com as outras do que com quaisquer dos fatores primários de personalidade.
Sendo assim, segundo Hills et al.25, pode-se concluir que ser
religioso está associado com algum aspecto da personalidade que não está
representado nos 21 fatores primários do EPP (Eysenck Personality Profiler)
ou que a "consciência espiritual" é, ela mesma, uma diferença
individual da personalidade que está faltando nos modelos mais tradicionais.
Esta última possibilidade parece ser consistente com a sugestão de Piedmont27,
de que a transcendência espiritual pode ser um fator adicional que não está
incluído no modelo de cinco fatores da personalidade.
Outro estudo realizado por Kosek28, na
Polônia, investigou a utilidade do Modelo de Cinco Fatores como um instrumento
interpretativo para avaliar constructos religiosos. Segundo o autor, os
resultados sugerem que uma predisposição pessoal em direção aos outros (alta
Amabilidade e Conscienciosidade) está associada a uma crença positiva em
relação a Deus28. As análises de regressões múltiplas sugeriram que
os cinco domínios de personalidade explicaram 4% da variedade na qualidade da
relação com Deus de uma pessoa, enquanto a orientação religiosa explicou 35%
dessa variedade. Este estudo é uma adaptação do paradigma de Piedmont e
Hendrick28 e é o primeiro a trazer essas questões ao contexto
polonês.
Na Bélgica, Duriez et al.17
realizaram um estudo com estudantes de Psicologia (n = 335) com o objetivo de
analisar as relações entre duas dimensões de religiosidade (Inclusão versus Exclusão
de Transcendência e Literalismo versus Simbolismo) e dois modelos de
personalidade: os Cinco Grandes e o Identity Style Inventory17.
Nos resultados, Duriez et al.17 afirmam que não há nenhum
tipo de relação entre quaisquer dos cinco fatores de personalidade e a crença
ou não em uma realidade transcendente ou um Deus pessoal. Os resultados
apontados por eles estão em concordância com os achados de Piedmont27
e Paunonem e Jackson29, os quais sustentam que a religiosidade e a
espiritualidade estão além dos fatores representados no Modelo de Cinco Fatores
de personalidade.
Nesse sentido, o estudo conduzido por Saucier e
Goldberg26, da Universidade de Oregon, identificou 53 grupos de
adjetivos que pareciam não estar inseridos na classificação dos Cinco Grandes e
os administrou em uma amostra de 694 adultos, 57% mulheres, com idade média de
50 anos. Utilizando como ponto de corte uma relação de 0,3 para adjetivos serem
considerados independentes dos Cinco Grandes, apresentou os seguintes
resultados: Religiosidade, Valência Negativa e vários aspectos da Atratividade26.
Assim sendo, segundo os autores, tais resultados apontam para a necessidade de
suplementação dos Cinco Grandes, caso se procure entender de modo mais
abrangente os traços de personalidade.
De modo ainda mais explícito, a análise de Paunonen
e Jackson29, com relação à questão – "O que está além dos Cinco
Grandes?" –, lança a resposta – "Muita coisa!". Esta conclusão
está apoiada no exame, feito pelos autores, dos dados oferecidos por Saucier e
Goldberg26, apresentados acima. Paunonen e Jackson29
consideraram os critérios de Saucier e Goldberg26 muito liberais e
decidiram reavaliar os 53 grupos de adjetivos que pareciam não estar inseridos
na classificação dos Cinco Grandes, analisados anteriormente por Saucier e
Goldberg26. Eles escolheram, então, como ponto de corte uma relação
de 0,2 para adjetivos independentes dos Cinco Grandes, a qual consideraram mais
razoável, porém ainda liberal. Os resultados apresentaram 26 grupos
considerados relativamente independentes dos Cinco Grandes. Destes, foram
encontradas nove dimensões bipolares, e, de todas elas, aquelas que
identificavam o grupo "Religioso, devoto, venerado" apresentaram as
correlações mais baixas com os Cinco Grandes.
Conforme Paunonen e Jackson29, esse
resultado confirma a afirmação de Saucier e Goldberg26 de que a
dimensão de religiosidade é a mais provável candidata a residir além dos cinco
grandes fatores tradicionais de personalidade.
ESPIRITUALIDADE COMO UM SEXTO FATOR DE
PERSONALIDADE
Piedmont27 apresenta três critérios
empíricos que seriam necessários para demonstrar que as variáveis espirituais
representam algo diferente das dimensões que abrangem o Modelo de Cinco
Fatores: 1º. A nova dimensão de personalidade precisa mostrar ser independente
das cinco já existentes; 2º. Precisa estar num nível de generalidade e
abrangência comparável às outras cinco, assumindo muitas facetas menores; 3º.
Ela deve ser recuperável, sobrevivendo às múltiplas fontes de informação, ou
seja, por meio de fontes de classificação e de medidas.
A pesquisa de Piedmont27 foi realizada
no intuito de desenvolver uma escala que pudesse conter medidas que capturassem
aspectos do indivíduo que sejam independentes das qualidades contidas no Modelo
de Cinco Fatores de personalidade. O instrumento é denominado de "Escala
de Transcendência Espiritual", sendo "transcendência espiritual"
definida como: a) Um senso de conectividade com toda a raça humana; b)
Universalidade, crença na natureza unitiva de toda a vida; c) Rezar, ter
sentimentos de alegria e contentamento que resultam de encontros pessoais com
uma realidade transcendente.
A pesquisa utilizou duas amostras: uma de
desenvolvimento, com 277 mulheres e 102 homens, e outra de validação, que
contou com 265 mulheres e 91 homens; cada participante indicou duas pessoas que
o conheciam há, no mínimo, três meses para responder a escalas sobre eles. Os
resultados confirmaram que a Transcendência Espiritual mostrou-se: 1º.
Independente das medidas do Modelo de Cinco Fatores; 2º. Evidenciou boa
convergência interobservada; 3º. Conseguiu predizer um amplo alcance de
resultados psicológicos salientes, mesmo depois do controle dos efeitos preditivos
dos Cinco Fatores da personalidade27. Desse modo, segundo Piedmont27,
a Transcendência Espiritual representa uma dimensão distinta no funcionamento
psicológico e deve ser considerada uma potencial sexta dimensão da
personalidade.
Na mesma direção, McDonald30 buscou
explorar a existência de uma estrutura fatorial significante que fundamentasse
a espiritualidade e a associação desta com a personalidade (Modelo de Cinco
Fatores). Os resultados apontaram para a existência de cinco dimensões robustas
de espiritualidade: 1. Orientação Cognitiva em relação à Espiritualidade
(inclui crenças, atitudes e percepções a respeito da natureza e da importância
da espiritualidade); 2. Dimensão Experiencial/Fenomenológica da Espiritualidade
(experiências que são descritas como espirituais, religiosas, místicas, de
pico, transcendentais e transpessoais); 3. Bem-Estar Existencial (sensação de
sentido e propósito para a existência e a percepção de si mesmo como sendo
competente e capaz de lidar com as dificuldades da vida e com as limitações da
existência humana); 4. Crenças Paranormais (crenças em precognição,
psicocinese, espiritualismo, fantasmas e aparições); 5. Religiosidade
(expressão da espiritualidade por meio de significados e símbolos religiosos).
Para medir essas dimensões, foi validado o Inventário de Expressões de
Espiritualidade30.
As associações entre o Inventário de Expressões de
Espiritualidade e o NEO PI-R apresentaram altas correlações entre a Dimensão
Fenomenológica/Existencial e Abertura para a Experiência, seguida por
Extroversão; Crenças Paranormais também obtiveram notáveis associações com
Abertura; Religiosidade esteve associada mais claramente com Amabilidade e
Conscienciosidade e menos com Abertura; Orientação Cognitiva em relação à
Espiritualidade esteve relacionada com Amabilidade e Conscienciosidade, seguida
por Abertura e Extroversão e Bem-Estar Existencial, apresentou correlações
negativas com Neuroticismo, enquanto obteve correlações significantemente
positivas com Conscienciosidade, Extroversão e Amabilidade30.
No entanto, segundo McDonald30, apesar
dessas associações, os elementos mais importantes da espiritualidade
apresentam-se conceitualmente únicos, apontando para a possibilidade de
existirem grandes aspectos da personalidade que não estão representados no
Modelo de Cinco Fatores.
Finalmente, Cloninger et al.31
desenvolveram o Modelo Psicobiológico de Temperamento e Caráter. De acordo com
os autores, o Modelo de Cinco Fatores não captura algumas dimensões
consideradas indispensáveis para a compreensão de transtornos de personalidade
e os aspectos ligados à Autoatualização, descrita na Psicologia Humanista e na
Psicologia Transpessoal. Além disso, as análises fatorial e estatística não são
capazes de definir a estrutura causal subjacente à variabilidade biológica e
social dos traços de personalidade31. Assim sendo, os autores
propõem um modelo alternativo aos Cinco Grandes, que considera os determinantes
biológicos e sociais subjacentes, incluindo quatro dimensões de temperamento e
três dimensões de caráter. As dimensões de temperamento, de base hereditária,
são: Busca pelo novo; Evitação de sofrimento; Dependência de
Recompensas e Persistência.
As dimensões de caráter, ligadas a questões
sociais, ao autoconceito e ao aprendizado são: Autodiretividade (relacionada
à autonomia e à presença ou ausência de transtorno mental); Cooperatividade (relacionada
ao sentimento de fazer parte da humanidade como um todo) e Autotranscendência
(relacionada à sensação de fazer parte do universo como um todo e à
espiritualidade). A Autotranscendência, especificamente, é considerada um
processo de desenvolvimento relacionado à aceitação da espiritualidade, à
identificação com aquilo que está além do self individual e, em última
instância, à perda das fronteiras entre o self e os outros por meio da
identificação com o conceito de um Deus imanente, que está em tudo31.
Os autores subdividem a Autotranscendência em cinco estágios: 1. Esquecimento
do self vs. egocentrismo; 2. Identificação transpessoal vs.
individualismo; 3. Aceitação espiritual vs. materialismo racional31;
4. Iluminação vs. objetividade e 5. Idealismo vs. praticidade32.
Cloninger et al.31 desenvolveram
o Inventário de Temperamento e Caráter (ITC), o qual também auxilia no diagnóstico
diferencial. Segundo os autores, baixos escores nas escalas de caráter, como
Autodiretividade, estão associados com irresponsabilidade, baixo controle de
impulsos e transtornos de personalidade; baixa Cooperatividade é associada a
déficits de empatia, hostilidade, agressividade e oportunismo, e baixos escores
de Autotranscendência estão associados a comportamentos materialistas com pouca
ou nenhuma preocupação com ideais como bondade e harmonia universal33.
DISCUSSÃO
Como afirmam McCullough et al.10,
os estudos transversais podem apenas sugerir associações entre personalidade e
R/E, mas não explicam o porquê de tais associações. Apenas os resultados do
estudo longitudinal conduzido por McCullough et al.10
apresentam dados mais conclusivos a esse respeito, apontando para a primeira
explicação de Michael Eysenck18, em que a alta conscienciosidade é
preditora de religiosidade em adultos.
Por outro lado, além de afirmar que há relações
entre personalidade e religiosidade, é imprescindível apontar para a dimensão
de religiosidade que está sendo associada a algum fator de personalidade.
Maltby24, Maltby et al.19, Hills et al.25
e Koseck28 diferenciam as dimensões de religiosidade, encontrando
resultados como a associação negativa entre a religiosidade intrínseca (RI) e o
psicoticismo (P), mas não entre P e religiosidade extrínseca (RE)19;
alta RE e busca associadas a altos índices de neuroticismo (N), bem como baixa
RI a alto N25; e RI e busca associadas positivamente à Amabilidade e
Conscienciosidade (A e C)28. Kosek28 ainda afirma que
pessoas com RI e busca possuem maior A e C, em outras palavras, de acordo com o
autor, pessoas com uma crença positiva em relação a Deus apresentam predisposição
pessoal em direção aos outros.
Um dos resultados que mais chamam a atenção nesta
revisão parece ser o fato de que a religiosidade mostra mais relações entre
suas diferentes dimensões (intrínseca, extrínseca e busca) do que com os
fatores de personalidade investigados (PEN ou Cinco Grandes). Além disso,
Saucier e Goldberg26 e Paunonen e Jackson29 apresentam
resultados que corroboram com Hills et al.25, apontando para
as baixas correlações entre as dimensões de religiosidade e os Cinco Grandes. Segundo
os autores, a religiosidade é a mais provável candidata a residir além dos
Cinco Grandes fatores de personalidade.
Assim sendo, diante da provável necessidade de se
analisar e investigar melhor a religiosidade ou a espiritualidade como
dimensões da personalidade, as pesquisas de Piedmont27, McDonald30
e Cloninger et al.31 podem estar apresentando resultados
importantes para a maior compreensão dessas dimensões.
Nesse sentido, ao analisar as dimensões de caráter
(Autodiretividade; Cooperatividade e Autotranscendência) propostas por
Cloninger et al.31, pode-se pensar se não apresentam alguma
semelhança com a Transcendência Espiritual de Piedmont27. Isso
porque Cloninger et al.31 relacionam as três dimensões de
caráter à maturação de autoconceito, ou seja, quando a pessoa se sente: 1º. Um
indivíduo autônomo; 2º. Parte da humanidade como um todo e 3º. Parte do
universo como um todo. Para Piedmont27, Transcendência Espiritual
pode ser definida como: 1º. Um senso de conectividade com toda a raça humana;
2º. Universalidade, crença na natureza unitiva de toda a vida; 3º. Rezar, ter
sentimentos de alegria e contentamento que resultam de encontros pessoais com
uma realidade transcendente.
Além disso, ao especificar algumas das cinco
dimensões de espiritualidade, McDonald30 também apresenta
características semelhantes aos outros dois27,31. Entre outras,
McDonald30 inclui: sentido e propósito para a existência e a
percepção de si mesmo como sendo competente e capaz de lidar com as
dificuldades da vida e com as limitações da existência humana e expressão da
espiritualidade por meio de significados religiosos.
CONCLUSÕES
Os principais achados desta revisão foram: Alta
Religiosidade associada a baixo P e altas A e C10,11,16,19,20,24,25,28.
Essa relação entre religiosidade e personalidade depende claramente da dimensão
de religiosidade que é medida11,20. Assim, observa-se que RI está
associada a baixo P20; Baixa RI, alta RE e Busca estão associadas a
alto N; e o sentimento de culpa aparece como forte preditor de RI e Busca,
embora os intrínsecos pareçam ser mais felizes, ser dogmáticos, não agressivos
e independentes25.
O único estudo longitudinal encontrado apresenta C
em adolescentes como único preditor significante para a maior religiosidade na
adultez jovem10. Isso sugere que a hipótese de Michael Eysenck18
esteja correta ao afirmar que pessoas com baixo índice de P (ou alto índice de
A e C) seriam mais atraídas para a religião. McCullough et al.10
também concluem, a partir de seus resultados, que adolescentes com maior
instabilidade emocional estão mais sujeitos a adotar níveis de religiosidade
semelhantes aos de seus pais. Finalmente, a associação positiva entre A e C,
segundo Kosek28, significa que uma predisposição pessoal em direção
aos outros está associada a uma crença positiva em relação a Deus.
No entanto, embora tenham sido encontradas
associações significativas entre religiosidade e personalidade, alguns autores
sustentam que a crença em uma dimensão de Religiosidade, em uma realidade
transcendente ou em um Deus pessoal parece não possuir correspondências entre
quaisquer dos cinco fatores de personalidade11,17,19,27,29. Dessa
forma, a dimensão de Religiosidade é apresentada como a mais provável candidata
a residir além dos cinco grandes fatores de personalidade26,29 e a
Transcendência Espiritual, segundo Piedmont27, pode ser considerada
uma sexta dimensão da personalidade. Por fim, essa revisão também analisou duas
importantes contribuições para a avaliação e para o diagnóstico diferencial
entre psicopatologia e R/E: as Cinco Dimensões de Espiritualidade e o
Inventário de Expressões de Espiritualidade, desenvolvidos no estudo de
McDonald30, e as Três Dimensões de Caráter e o Inventário de
Temperamento e Caráter, desenvolvidos por Cloninger et al.31.
As diretrizes para futuras pesquisas são:
- avaliar a R/E como uma possível dimensão de
personalidade;
- desenvolver um modelo que possa reunir as
semelhanças encontradas entre os estudos de Piedmont27, McDonald30
e Cloninger et al.31;
- conduzir um estudo longitudinal que possa avaliar
a relação entre R/E e personalidade.
Finalmente, ao que tudo indica, o estudo das
relações entre personalidade e R/E tem aumentado e sua investigação possui
relevância, principalmente porque muitos dados apontam para sua relação com o
bem-estar e a saúde.
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