BLOG ESPIRITUALIDADE E RELIGIOSIDADE. AUTOR: ÁLAZE GABRIEL GIFTED.
Disponível em http://espiritualidade-e-religiosidade.blogspot.com.br
Autoria:
1 - Hélio Penna Guimarães. Médico-assistente da Divisão de Pesquisa do
Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.
2 - Álvaro Avezum. Médico diretor da Divisão de Pesquisa do Instituto
Dante Pazzanese de Cardiologia.
Adaptação:
Superdotado Álaze Gabriel.
Atualmente Operador
de Processamento de Dados, Blogger e Escritor.
O IMPACTO DA ESPIRITUALIDADE NA SAÚDE FÍSICA
RESUMO
CONTEXTO: As implicações da espiritualidade na saúde vêm
sendo cientificamente avaliadas e documentadas em centenas de artigos,
demonstrando sua relação com vários aspectos das saúdes física e mental,
provavelmente positivos e possivelmente causais.
OBJETIVO: Apresentar de forma concisa as evidências recentes
do papel da espiritualidade e da religiosidade em diversos campos da prática
clínica diária.
MÉTODOS: Para uma revisão descritiva foram selecionados
artigos no banco de dados Medline, por meio dos unitermos:
"religiosity", "religion", "spiritual" e
"spirituality". Os artigos foram avaliados por análise de método e
determinação de limitações de desenho.
RESULTADOS: Foram apresentados de forma descritiva e concisa
relevantes achados referentes às associações entre a espiritualidade/religiosidade
e atividade imunológica, saúde mental, neoplasias, doenças cardiovasculares e
mortalidade, além de aspectos de intervenção com uso de prece intercessória.
CONCLUSÕES: Há crescente acúmulo de evidências sobre a relação
entre religiosidade/espiritualidade e saúde física, mas por essas evidências
ainda não serem adequadamente robustas, este se constitui em promissor campo de
investigação.
INTRODUÇÃO
A espiritualidade poderia ser definida como uma
propensão humana a buscar significado para a vida por meio de conceitos que
transcendem o tangível: um sentido de conexão com algo maior que si próprio,
que pode ou não incluir uma participação religiosa formal (Saad et al.,
2001; Volcan, 2003). A espiritualidade e sua relação com a saúde tem se tornado
claro paradigma a ser estabelecido na prática médica diária. A doença permanece
como entidade de impacto amplo sobre aspectos de abordagem desde a fisiopatologia
básica até sua complexa relação social, psíquica e econômica; é fundamental
reconhecer que esses diversos aspectos estão correlacionados em múltipla
interação.
A espiritualidade, a despeito de seu freqüente
imbricar com a religião, historicamente tem sido ponto de satisfação e conforto
para momentos diversos da vida, bem como motivo de discórdia, fanatismo e
violentos confrontos.
Convém definir neste cenário que a religiosidade e
a espiritualidade, apesar de relacionadas, não são claramente descritas como
sinônimos. A religiosidade envolve sistematização de culto e doutrina
compartilhados por um grupo. A espiritualidade está afeita a questões sobre o
significado e o propósito da vida, com a crença em aspectos espiritualistas
para justificar sua existência e significados (Saad et al., 2001; Powell
et al., 2003).
A comprovação da utilização de aspectos distintos
da espiritualidade e da religiosidade como suporte, terapêutica e determinação
de desfechos positivos em diversas doenças tem constituído emblemático desafio
para a ciência médica. Em se considerando as limitações éticas e de método,
demonstra-se o quão dificultoso se faz mensurar e quantificar o impacto de
experiências religiosas e espirituais pelos métodos científicos tradicionais.
Em recente levantamento de dados no site de
pesquisa para publicações médicas indexadas de maior impacto clínico (sistema
Medline) e utilizando as palavras-chave "religion and health", foram
encontrados cerca de 35.828 publicações entre 1982 e 2007; em se modificando
para "spirituality", foram encontrados 4.434 artigos no mesmo
período. Nesse contexto, discernir os melhores desenhos de estudo e encontrar
as melhores evidências que suportem a associação entre espiritualidade e saúde
constitui novo, intrigante e profundo paradigma para a medicina moderna.
Este artigo tem por objetivo apresentar de forma
concisa as evidências recentes do papel da espiritualidade e da religiosidade
em diversos campos da prática clínica diária.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram selecionados artigos no banco de dados
Medline, por meio dos unitermos: "religiosity", "religion",
"spiritual" e "spirituality". Foram encontrados,
inicialmente, cerca de 36 mil artigos; em segunda avaliação mais restrita,
foram selecionados artigos de intervenções terapêuticas e revisões sistemáticas
encontradas por meio de busca baseada no link "clinical
queries" do referido sistema, totalizando 242 artigos. Os artigos foram
avaliados por análise de método e determinação de limitações de desenho.
Não sendo esta uma metanálise, mas uma revisão
descritiva, apresentam-se a seguir as conclusões mais relevantes dos principais
estudos e metanálises encontrados nesta revisão.
ESTUDOS EM ESPIRITUALIDADE/RELIGIOSIDADE E SAÚDE E
SEUS FATORES DE CONFUSÃO
Certamente, além de aspectos éticos e pessoais que
podem promover vieses de análise e interpretação, os estudos envolvendo
aspectos de religiosidade e espiritualidade merecem, como todo e qualquer outro
objeto de investigação, a aplicação sistemática e rigorosa do método científico
para sua validação, independentemente de posturas preconcebidas a favor ou
contra eventuais resultados. Nesse contexto, há que se observar alguns
freqüentes vieses de apuração, desenho de estudo ou interpretação (Powell et
al., 2003):
- Estudos ou cenários que não dispõem de adequado controle de potenciais fatores de confusão básicos, tais como idade, sexo e aspectos de etnia;
- Estudo de desenho cross-sectional ou transversal, considerado inadequado para determinar uma seqüência temporal de eventos, o que em geral é fundamental para uma adequada avaliação do nexo causal em estudos;
- Inadequada avaliação da mensuração da espiritualidade e/ou saúde física;
- Sem análises estatísticas apropriadas que impedem a adequada correlação entre achados;
- Relatos precoces em um mesmo estudo de coorte que apresenta distintos resultados com o passar do tempo em seu seguimento.
RELIGIOSIDADE E ATIVIDADE IMUNOLÓGICA
A interleucina 6 (IL-6) tem se mostrado citocina
fortemente correlata a reações agudas de estresse, doenças cardiovasculares,
depressão, doenças osteomusculares, neoplasias e doença de Alzheimer
(Lutgendorf et al., 2004).
Koenig et al. (1997) avaliaram a relação
entre a prática de atividades religiosas e os níveis séricos de IL-6 e outros
mediadores do sistema auto-imune e cascata inflamatória. Foram incluídos 1.718
pacientes com 65 ou mais anos de idade, e considerou-se como ponto de corte
para IL-6 de 5 pg/ml; a correlação à prática de serviços religiosos foi
realizada de forma temporal em distintas entrevistas entre 1989 e 1992. Nos
achados finais, comparados aos pacientes sem práticas religiosas freqüentes e
controlando-se fatores de confusão, apenas a metade do grupo com práticas
freqüentes tinha mais que 5 ng/ml (OR 0,58, 95% CI, 0,40-0,84, p < 0,005),
além de menores taxas de marcadores de inflamação, como alfa-2 globulina,
d-dímero, leucócitos polimorfonucleares e linfócitos.
Posteriormente, Harris et al. (1999a)
descreveram que elevados níveis de IL-6, acima de 3,19 pg/ml, são encontrados e
mais estreitamente relacionados à mortalidade na população idosa que em grupos
inferiores a 1,9 pg/ml.
Partindo
desse cenário delimitado, em um estudo prospectivo, Lutgendorf et al. (2004)
avaliaram a relação entre freqüência de prática religiosa, níveis séricos de
IL-6 e mortalidade em 557 adultos idosos. A prática de atividades religiosas
de, pelo menos, uma vez por semana foi determinada como significativo preditor
de menor mortalidade em 12 anos de seguimento e da menor elevação dos níveis de
IL-6 (> 3,19 pg/ml): os achados do estudo demonstraram taxa de mortalidade
de 0,32 (95% IC = 0,15, 0,72; p < 0,01) e razão de chances (OR) para
elevação de IL-6, 0,34 (95% CI = 0,16, 0,73, p < 0,01 em pacientes com
práticas religiosas semanais, comparados àqueles que nunca freqüentavam ou
exerciam práticas religiosas. Os resultados foram analisados em regressão
logística multivariada. A despeito dos resultados, há limitações do estudo
quanto à mensuração isolada do envolvimento religioso do paciente e à
freqüência de prática e dados privados, como religiosidade intrínseca. No
entanto, houve correlação linear entre o efeito da mortalidade entre os
pacientes que nunca tinham práticas religiosas em relação àqueles que tiveram
práticas de pelo menos uma a duas vezes por mês.
Ironson et al. (2006) avaliaram os efeitos
de mudanças na religiosidade e na espiritualidade após o diagnóstico de
soropositividade para o HIV e suas conseqüências sobre as dosagens de CD4 e
carga viral em até quatro anos de seguimento; em 100 pacientes avaliados, 45%
demonstraram aumento de práticas religiosas, 42% não alteraram suas práticas e
13% as reduziram. Utilizando um modelo de regressão linear, avaliou-se a
associação de efeitos entre a prática religiosa, CD-4 e carga viral:
independentemente do tipo de prática religiosa, quadro inicial da doença,
medicações em uso, idade, sexo, etnia, educação, hábitos de vida, depressão e
suporte social, a mudança na prática de atividades religiosas foi fator
preditor independente para redução da carga viral e aumento dos valores de CD4.
O mesmo grupo de autores, dessa vez capitaneado por
Carrico et al. (2006), avaliou a relação entre práticas religiosas e
níveis de cortisol urinário em 264 pacientes soropositivos para HIV, com o
objetivo de determinar o impacto da espiritualidade sobre os níveis de cortisol
e sua relação com sintomas de depressão; neste cenário, a prática de atividades
religiosas esteve associada a menores taxas de cortisol urinário de 24 horas (r
= – 0,17, p < 0,05) e sintomas de depressão.
PRÁTICA RELIGIOSA E REDUÇÃO DE MORTALIDADE
Cerca de 11 estudos independentes e longitudinais,
avaliando a relação entre a prática de atividades religiosas e o impacto sobre
a mortalidade, foram descritos até 2003, dos quais apenas dois envolveram
pacientes não saudáveis. Sete desses estudos obtiveram resultados ajustados
para dados de demografia, aspectos socioeconômicos, sexo, fatores de risco para
outras doenças e outros potenciais fatores de confusão. Em seis estudos
(66,6%), verificou-se a relação estabelecida, após ajuste, de aproximadamente,
em média, 30% de redução de mortalidade bruta e até 25% após ajustes para
fatores de risco conhecidos. A maioria desses estudos é de base populacional
(Powell et al., 2003).
Strawbridge et al. (1997), em estudo de longo
seguimento, avaliaram 6.928 pacientes, entre 16 e 94 anos, durante 28 anos de
seguimento; os praticantes regulares de atividades religiosas tiveram menores
taxas de mortalidade (razão de risco de 0,64; 95% IC, 0,53-0,77). Esses
resultados foram mais robustos em mulheres; em análise ajustada para
antecedentes de doenças crônicas ou fatores de risco à saúde, não houve redução
significativa do impacto. Durante o seguimento, os pacientes com práticas
religiosas freqüentes interromperam o tabagismo, adotaram atividade física
regular, aumentaram suporte social e mantiveram seu estado matrimonial.
Hummer et al. (1999) avaliaram dados do
National Health Interview Survey (NHIS) em 21.204 casos e, entre estes, 2.216
óbitos, associando a freqüência de prática religiosa a aspectos
sociodemográficos, de saúde e comportamento. Determinaram que pessoas que nunca
tiveram ou que exerceram prática religiosa irregular apresentavam risco de
óbito 1,87 vez maior comparadas àquelas com prática de pelo menos uma vez por
semana. Tal associação se traduziu em diferença de cerca de até sete anos
adicionais, na expectativa de vida entre os grupos.
Jaffe et al. (2005) avaliaram pacientes
aderentes a práticas religiosas ou habitando áreas consideradas afiliadas a
práticas religiosas em Israel. Foram analisados 141.683 indivíduos com idades
de 45 a 89 anos, vivendo em 882 áreas distintas; 29.709 óbitos foram reportados
em um seguimento médio de 9,5 anos. Homens e mulheres vivendo em áreas próximas
ou afiliadas a práticas religiosas tiveram menores taxas de mortalidade (OR
[homens] = 0,75; 95% IC, 0,67-0,84; OR [mulheres] = 0,86; 95% IC, 0,67-0,96).
METANÁLISES EM RELIGIOSIDADE E SAÚDE
À medida que mais estudos na área de
espiritualidade e saúde se intensificaram, seja com pequeno, seja com grande
número de pacientes, começaram a surgir as primeiras metanálises, na tentativa
de aperfeiçoar conclusões e resultados mais sólidos.
McCullough
et al. (2000), em metanálise de 42 estudos independentes, avaliando
cerca de 125.826 participantes, demonstraram que o envolvimento com prática
religiosa foi significativamente associado à menor mortalidade (razão de
chances OR = 1,29; IC 95%, 1,20-1,39).
Usando o sistema Medline e limitando a busca apenas
a artigos de língua inglesa e, preferencialmente, estudos clínicos
aleatorizados, Townsend et al. (2002) avaliaram o impacto de práticas
religiosas sobre desfechos de saúde por meio de uma revisão sistemática da
literatura entre 1966 e 1999; nove estudos aleatorizados foram avaliados e 25
não aleatorizados: até então os estudos aleatorizados demonstravam potencial
benefício de prece intercessória sobre pacientes admitidos em unidade
coronária, no entanto sem efeito sobre melhor controle ou redução do abuso de
álcool. Os estudos não aleatorizados, por sua vez, sugeriram que a prática
religiosa talvez possa oferecer potencial benefício sobre pressão arterial,
função imunológica, depressão e mortalidade.
Embora a
força de associação entre a prática religiosa esteja sujeita à influência de
diversas variáveis e seja proibitiva uma inferência causal baseada nesses
estudos, a associação entre essas práticas e a mortalidade foi robusta e a sua
magnitude deve ser avaliada entre os fatores de abrangência psicossocial. Essa
associação é ainda mais forte em mulheres e há possibilidade de a prática
religiosa mediar e promover melhores e mais saudáveis hábitos de vida. O foco
de pesquisas futuras talvez seja agora, se considerado consolidado o efeito
positivo, buscar possíveis mecanismos que possam justificar esses achados sob o
ponto de vista fisiopatológico e, adicionalmente, por métodos estatísticos mais
sofisticados, reavaliar potenciais fatores de confusão que incluam idade,
etnia, sexo e saúde física prévia.
PRECE INTERCESSÓRIA (PI) COMO NOVA PRÁTICA
TERAPÊUTICA?
A prece é uma prática milenar de diversas e
distintas religiões, tradicionalmente associada a bem-estar, promoção de saúde,
introspecção e espiritualidade. Essa prática passou a ser tema de pesquisa e
discussão intensa desde a década de 1980, com diversas e distintas posições e
achados; atualmente, ao se buscar por meio do sistema Medline o unitermo intercessory
prayer, cerca de 66 artigos constam em revistas indexadas, desde
aleatorizados a recentes metanálises.
Nesse cenário, Byrd (1988), em trabalho pioneiro,
avaliou os efeitos da prece intercessória (PI) em pacientes internados em
unidades coronarianas, em estudo prospectivo, aleatorizado e duplo-cego;
durante 10 meses, 393 pacientes foram aleatorizados, após obtenção de
consentimento informado, para um grupo de PI (192 pacientes) ou um grupo
controle (201 pacientes). O grupo PI teve menores escores de gravidade (p <
0,01), e o grupo controle necessitou com maior freqüência de assistência ventilatória,
antibióticos e diuréticos.
Harris et al. (1999b), em ressonante estudo,
visando a determinar se a prece intercessória remota, destinada a pacientes
hospitalizados por cardiopatias, poderia reduzir a taxa global de eventos
adversos e o tempo de internação, desenharam um estudo com metodologia
científica adequada, aleatorizado, controlado, duplo-cego, prospectivo e de
grupos paralelos realizado em um hospital de ensino privado, avaliando 990
pacientes consecutivos que foram admitidos na unidade de cuidado intensivos. Os
pacientes foram aleatorizados na admissão para receber PI remota ou não;
comparado ao grupo de tratamento usual (n = 524), o grupo PI (n = 466)
apresentou menores valores de escores médios de gravidade ± SEM (6,35 ± 0,26 versus
7,13 ± 0,27; p = 0,04) e (2,7 ± 0,1 versus 3,0 ± 0,1; p = 0,04); o tempo
de internação foi indiferente e a associação final sugeriu ser a PI efetiva
terapia adjunta a tratamento médico-padrão.
No entanto, em recente e polêmico estudo, Benson et
al. (2006), avaliando seis hospitais americanos, aleatorizaram pacientes
para três distintos grupos: 604 pacientes receberam a PI, após serem informados
de que poderiam ou não receber a prece; 597 não receberam a PI, após serem
informados de que poderiam ou não receber a prece; e 601 receberam a PI, após
serem informados de que receberiam a prece. A PI foi executada por 14 dias,
iniciando-se na noite anterior à cirurgia de revascularização miocárdica, com
avaliação de desfechos primário de complicações em até 30 dias e secundário de
mortalidade; nos dois grupos em que havia incerteza de receber a PI, a
incidência de complicações foi de 52% (315/604) versus 51% (304/597)
daqueles que não receberam a prece (risco relativo de 1,02, 95% IC 0,92-1,15).
As complicações foram prevalentes em 59% (352/601) dos pacientes que certamente
receberam a prece e tinham conhecimento disso versus 52% (315/604)
(risco relativo de 1,14, 95% IC 1,02-1,28). Para esses autores, a PI, quando
efetivamente executada com o conhecimento do paciente, associou-se a mais
complicações precoces em cirurgias de RM; esses achados motivaram opiniões,
como as de Sloan e Ramakrishnan (2006), sobre as dificuldades de se realizar
estudos com desfechos variáveis e dificultosas comparações argumentando
freqüentes erros do tipo 1 ou alfa e sugerindo abolir essa análise da prática
científica por ser "incompatível com as visões correntes da física
universal e conscienciosa".
De forma mais enfática, em metanálise de grande
número de casos, Masters et al. (2006) avaliaram os efeitos da PI por
meio de modelos aleatorizados com combinação de resultados para efeito global;
um teste de homogeneidade e avaliação de variáveis potenciais diversas foi
conduzido; 14 estudos foram analisados com tamanho global de efeito estimado para
g = 0,100 que não diferiu de zero; não houve impacto científico claramente
discernível nos resultados do estudo, apesar de pequena monta, de tal sorte que
em se retirando tendências teóricas ou teológicas, os autores consideraram os
achados não consideráveis e recomendaram que não se destinem novos estudos ou
recursos à avaliação de tal método.
Por outro lado, Roberts et al. (2007)
executaram revisão sistemática de 10 estudos (7.646 pacientes) em que havia
clara determinação da estratégia da prece intercessória para otimização de
saúde de pacientes acometidos de distintas doenças; os dados foram extraídos
de forma independente e analisados por intenção de tratar determinando risco
relativo (RR), intervalo de confiança (IC) de 95% e número necessário para
tratar (NNT) ou prejudicar (NNH). Houve pequena diferença a favor do grupo
prece intercessória quanto à mortalidade (seis estudos, n = 6.782, RR 0,88, IC
0,80-0,97, NNT 42, IC = 25-167), porém sem diferença entre os grupos quanto a
estado clínico ou complicações. Um estudo demonstrou ser a prece positiva sobre
pacientes com alto risco de mortalidade (um estudo, n = 445, RR 0,3, IC =
0,2-0,46, NNT 8, IC = 7-11).
A despeito disso, uma vez mais, no entanto, um
recente estudo avaliando os efeitos da prece permitida pelo paciente demonstrou
que pacientes que sabiam estar recebendo preces intercessórias tiveram mais
complicações pós-operatórias (um estudo, n = 1.198; RR 1,15, IC = 1,04-1,28;
NNH 14, IC = 8-50). A conclusão final sugere que ainda não se deve considerar
nenhum dos resultados de forma robusta ou definitiva, e a maioria dos dados
ainda permanece equívoca (Roberts et al., 2007).
As evidências presentes demonstram que o cenário da
PI é ainda insuficiente para qualificar ou desqualificar definitivamente
quaisquer benefícios advindos dos ensaios clínicos prévios.
RELIGIOSIDADE E SAÚDE MENTAL
Em se avaliando a relação entre espiritualidade e
saúde mental, as controvérsias e evidências científicas se intensificam ainda
mais.
Em revisão narrativa de cerca de 850 artigos,
publicados ao longo do século XX, incluindo artigos publicados após 2000 e a
descrição de pesquisas conduzidas no Brasil, Moreira-Almeida et al.
(2006) verificaram que maiores níveis de envolvimento religioso estão
associados positivamente a indicadores de bem-estar psicológico (satisfação com
a vida, felicidade, afetos positivo e moral mais elevados) e a menos depressão,
pensamentos e comportamentos suicidas, uso/abuso de álcool/drogas. Esse impacto
positivo sugere ser mais relevante entre pessoas sob estresse (idosos e aqueles
com deficiências e doenças clínicas), considerando que há indícios suficientes
disponíveis para se afirmar que o envolvimento religioso habitualmente está
associado à melhor saúde mental. Ressalta-se, porém, a necessidade de melhor
compreensão dos fatores mediadores dessa associação e sua transposição à
prática clínica diária.
RELIGIOSIDADE/ESPIRITUALIDADE E DOENÇA
CARDIOVASCULAR
Hummer et al. (1999) foram os primeiros a
demonstrar a correlação entre prática religiosa e redução da mortalidade por
causa cardiovascular, mesmo após ajustes em análise multivariada para sexo,
idade, educação, etnia e status social. No entanto, no que concerne à
adoção de hábitos de vida saudável, após os ajustes para todas as co-variáveis
e estilo de vida saudável, projeta-se p = 0,86 (ns), que, a despeito da perda
de significância, indiretamente reforça o papel da
religiosidade/espiritualidade em mudanças de hábito de vida.
Goldbourt et al. (1993) avaliaram o impacto
da religião ortodoxa na doença arterial coronária em 10.059 pessoas em Israel
por cerca de 23 de seguimento, demonstrando associação não ajustada de RR de
0,69 (p = 0,05), e após ajuste para fatores de confusão, como hábitos de vida,
RR de 0,72 (p = 0,05).
Colantonio et al. (1992), avaliando fatores
preditores psicossociais para acidente vascular cerebral (AVC) em idosos não
institucionalizados, determinaram, em 2.812 idosos de Connecticut, status
de depressão por meio da escala do Center for Epidemiologic Studies Depression
Scale (CES-D). Esse estudo revelou altos valores de escores de CES-D como
importante preditor de AVC (p < 0,05), e a prática freqüente de serviços
religiosos foi associada à menor incidência de AVC (p < 0,001). Porém, ao se
dispor esse achado em análise multivariada (p < 0,05), correlacionando sexo,
idade, hipertensão, diabetes e tabagismo, nem os escores de depressão, nem a
análise de religiosidade, mantiveram sua significância.
Em geral, os achados sugerem que aspectos da
religiosidade com a prática semanal (RR = 0.93, ns) podem ser fatores
protetores contra doenças cardiovasculares, por promover melhor controle de
ansiedade/estresse e hábitos saudáveis de vida (Powell et al., 2003). No
entanto, certamente mais estudos longitudinais devem ser efetuados para a
comprovação de sua relação com a morbidade cardiovascular.
RELIGIOSIDADE/ESPIRITUALIDADE E MORTALIDADE POR
NEOPLASIAS
Oman et al. (2002) avaliaram 6.545 adultos
na Califórnia, com seguimento de 31 anos; a prática semanal de atividade
religiosa foi associada à redução de mortalidade por neoplasia, ajustada para
sexo e idade (RR = 0,78, p < 0,05), porém essa associação não foi
significativa quando ajustada para alterações ou condições prévias de saúde (RR
= 0,83, ns) e para fatores de risco independentes (RR = 0,93, ns).
Hummer et al. (1999) estudaram, em uma
amostra de 21.204 adultos saudáveis, a associação entre mortalidade por câncer
e prática religiosa semanal; após ajustar resultados para sexo, idade e etnia,
constataram RR = 0,88, p < 0,10, o mesmo não sendo demonstrado para
associação ajustada para estado de saúde prévio (RR = 0,93, ns) ou fatores de
risco independentes (RR = 0,90, ns).
Nesse cenário, a perda da significância estatística
após ajuste para fatores de risco pode se dever ao fato de se ter controlado o
mecanismo pelo qual a religiosidade poderia diminuir o risco de câncer como os
hábitos de vida mais saudável (menos tabagismo, etilismo etc.).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A influência da religiosidade/espiritualidade tem
demonstrado potencial impacto sobre a saúde física, definindo-se como possível
fator de prevenção ao desenvolvimento de doenças, na população previamente
sadia, e eventual redução de óbito ou impacto de diversas doenças. As
evidências têm-se direcionado de forma mais robusta e consistente para o
cenário de prevenção; estudos independentes, em sua maioria de grande número de
voluntários e representativos da população, determinaram que a prática regular
de atividades religiosas tem reduzido o risco de óbito em cerca de 30% e, após
ajustes para fatores de confusão, em até 25%.
Estudos mecanísticos tentando avaliar qual a
relação entre redução de mortalidade e práticas religiosas têm enfatizado o
possível incentivo que essas práticas oferecem a hábitos de vida saudável, suporte
social, menores taxas de estresse e depressão. Atitudes assistenciais
voluntárias ou participação em congregações têm demonstrado associação com
redução de mortalidade, provendo suporte e significado de vida, emotividade de
aspecto positivo ou ausência de emoções consideradas de aspecto negativo;
certamente existem dúvidas sobre se esses aspectos são mais relevantes em
grupos específicos, tais como no de sexo feminino, com menor suporte
socioeconômico e menores níveis de educação.
Também em contraste com tais evidências, não há
clara correlação entre o grau de profundidade ou envolvimento em práticas
religiosas e a proteção a eventos, exceto por análises de subgrupos em curva post
hoc. O desenvolvimento de conceituações de virtudes religiosas, perdão,
altruísmo, esperança, prece e voluntarismo, apesar de soar operacional ou
métrico, pode definir a nova direção para conduzir estudos de avaliação de
espiritualidade e religiosidade.
Na área específica de intervenções terapêuticas
propriamente dita, a prece intercessória ocupou espaço de investigação
relevante a despeito de seus dúbios resultados e controvérsias; apesar do
elevado número de publicações em revistas indexadas sobre o assunto, ainda
parece pouco claro qual o método mais adequado a esse tipo de avaliação e mesmo
a validade de seus resultados ou continuidade de sua investigação; por certo,
não há ainda prova sólida final para sua validade ou depreciação.
Há tendência à correlação entre a
religiosidade/espiritualidade e a saúde física, mas por ainda não ser
adequadamente robusto em suas provas e correlações, este constitui, sem dúvida,
em amplo e promissor campo de investigação. Nesse cenário, a necessidade de
maior investigação da relação entre saúde física e espiritualidade, baseada
principalmente no impacto de intervenções de base religiosa sobre a saúde,
faz-se ainda relevante para a comprovação desse paradigma. A comprovação
definitiva de efeitos dessas intervenções poderá, em futuro próximo, permitir
sua transposição à prática clínica.
A utilização de adequado método científico e
emprego dos princípios da medicina baseada em evidências, para avaliação
crítica da literatura e a condução de estudos, pode certamente prover o caminho
que moverá as hipóteses do promissor ao comprovado e certamente apenas essas
confirmações poderão consolidar o paradigma suficiente para a modificação da
percepção e conduta da sociedade atual ante a correlação entre espiritualidade
e saúde.
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